quinta-feira, 2 de maio de 2013

Militares são acusados de enjaular e torturar indígenas na Amazônia

Índios abordados em comunidades da Amazônia passaram a admitir o consumo de drogas e a delatar outros envolvidos após tortura, segundo informações do MPF-AM
O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) ingressou com uma ação de improbidade administrativa na Justiça Federal contra quatro militares do Exército acusados de torturar índios no município de São Gabriel da Cachoeira (distante 852 quilômetros a noroeste de Manaus). Os indígenas relatam que foram colocados em uma jaula de ferro destinada a transporte de onça do Exército Brasileiro
Sob o comando do primeiro-tenente Samir Guimarães Ribas, os militares Leandro Fernandes Rios de Souza, Ramon da Costa Alves e Walter Cabral Soares, praticaram atos de abuso de autoridade e de tortura, causando sofrimento físico e mental a índios na zona rural do município de São Gabriel da Cachoeira. A ação teve início na noite de 29 de setembro de 2007 e se estendeu até a manhã seguinte, no intuito de investigar e castigar índios envolvidos com tráfico de drogas.
Após receber denúncia, feita por um morador local, de que índios daquelas comunidades estariam consumindo e comercializando drogas, o tenente determinou que os militares compusessem duas patrulhas distintas para identificar, localizar e prender todos que tivessem ligação com os fatos, para que fossem levados, em seguida, à sede do 3º Pelotão Especial de Fronteira.
Segundo informações do MPF-AM, diante da surpresa de ação dos militares armados com fuzis, os índios abordados nas comunidades passaram a admitir o consumo de drogas e a delatar outros envolvidos. Mesmo sem ordem judicial e não estando em situação de flagrante delito, os índios foram presos por Leandro Fernandes Rios de Souza, Ramon da Costa Alves e Walter Cabral Soares, que entraram nas casas, efetuaram 'prisões para averiguação' e fizeram breve interrogatório para obter nomes de outras pessoas envolvidas com tráfico e consumo de drogas.
“Os militares, a pretexto de coibir a prática de suposto crime de tráfico ilícito de entorpecentes na comunidade em questão, atentaram contra basilares princípios constitucionais administrativos, comportaram-se de modo totalmente arbitrário em detrimento das vítimas, valendo-se da abjeta prática de tortura para subjugá-los, em total contrariedade a mandamentos legais e éticos”, afirmam os procuradores da República Sérgio Valladão Ferraz e Julio José Araujo Junior, na ação de improbidade administrativa.
Agressão e prisão em jaula
Os índios detidos pelos militares relataram, em depoimentos, que foram levados de 'voadeiras' – pequenas embarcações com motor de popa – até a sede do 3º Pelotão Especial de Fronteira. Lá foram ameaçados com a exibição ostensiva de armas e agredidos com tapas e chutes, além de terem sido colocados em uma jaula de ferro destinada a transporte de onça do Exército Brasileiro.

Segundo relatos dos indígenas, apertados no interior de jaula de ferro por longo período, alguns índios não resistiram e passaram a urinar naquele local. Em razão disso e sob a justificativa de limpar sujeira e afastar odor de urina, os militares, sob o comando do tenente, despejaram baldes de água sobre os índios.
O MPF/AM destaca que as atitudes dos militares constituem atos de improbidade administrativa que atentam contra a legalidade e a moralidade – princípios da Administração Pública –, conforme previsto no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), violando o padrão ético de conduta que os agentes públicos respeitar no exercício das funções.
Preconceito contra populações indígenas
A conduta dos militares, que denota preconceito contra as populações indígenas, é contrária ao previsto no Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80) que, no artigo 27, II, enuncia ser manifestação essencial do valor militar “o civismo e o culto das tradições históricas”.
Para o MPF/AM, os atos dos militares atingiram de forma grave alguns dos mais fundamentais direitos humanos das vítimas, que se viram reduzidas em sua capacidade de autodeterminação, encarceradas injusta e inconstitucionalmente e submetidas a tratamento desumano e degradante, e foram alvo de humilhações e sofrimentos físicos e psíquicos que configuram atos de tortura.
Em razão da gravidade das condutas, o MPF/AM pede a condenação dos quatro militares nos limites máximos das sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92, que prevê “ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos”.
A ação tramita sob o nº 7374-51.2013.4.01.3200 na 1ª Vara Federal no Amazonas.
Ação penal
Em setembro de 2010, o MPF/AM ingressou com uma ação penal contra os quatro militares na Justiça Federal do Amazonas, com o objetivo de responsabilizá-los criminalmente pela mesma situação.

O MPF/AM pediu a condenação dos militares pelo crime de tortura, previsto na Lei nº 9.455/97 e definido como “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.
A pena prevista para a prática da tortura para obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa é de reclusão de dois a oito anos, aumentada de um sexto a um terço quando o crime é cometido por agente público.
O processo criminal – que tem tramitação independente da ação de improbidade administrativa – aguarda julgamento na 2ª Vara Federal, sob o número 11390-53.2010.4.01.3200.
*Com informações da assessoria de imprensa do MPF-AM


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